Em
1971, o The Allman Brothers Band enfrentava dificuldades para obter
reconhecimento e sucesso comercial. Embora tivessem uma boa base de seguidores,
as vendas dos dois primeiros discos de estúdio não iam nada bem. O autointitulado
debut de 1969 tinha vendido menos de
35.000 cópias e o segundo, Idlewild
South, saiu-se um pouco melhor, contendo dois singles: Midnight Rider e
Revival.
O
que os motivava eram os fãs, que iam à loucura nas performances ao vivo
contagiados pela mistura blues, jazz, rock e country que tocavam até alguém
tirar o fio da tomada. Butch Trucks, baterista do ABB, descreve o
som daquela época: “Pegamos o que o Cream e o Grateful Dead faziam e
adicionamos John Coltrane e Herbie Hancock a essa mistura. Dessa forma,
chegamos a lugares em que ninguém nunca havia imaginado. Quando ouço alguém nos
descrevendo como Southern Rock fico irritado.”. Realmente, era muito mais que
isso.
Dessa
forma, surgiu uma luz na cabeça dos músicos e empresários, concordando que a única maneira de retratar a essência do Allman
Brothers seria colocando um disco ao vivo no mercado. A escolha da casa de show
para gravação não poderia ser mais óbvia: o Fillmore East, do promotor e amigo
Bill Graham, em Nova Iorque, cidade muito querida por eles até hoje. “A plateia
de Nova Iorque sempre foi excelente,” lembra o guitarrista Dickey Betts “mas o
que fazia o Fillmore ser tão especial era Bill Graham. Ele foi o melhor
promotor que o rock já teve e dava para sentir sua influência em cada canto do
Fillmore.”. Além do Fillmore East, Graham também era proprietário da lendária
casa Fillmore West em São Franciso, onde promoveu datas lendárias com Santana, Creendence Clearwater Revival, Janis Joplin, entre muitos outros.
Apenas três meses depois do show do ABB, a casa da costa leste foi fechada.
Precisa dizer quem Graham convidou para tocar no dia de encerramento?
A
banda foi agendada para três noites, 11, 12 e 13 de Maço de 1971, sendo
escalada entre Elvin Bishop e Johnny Winter, que fechava a festa. Um estúdio
móvel de 16 pistas foi instalado do outro lado da rua com o produtor Tom Dowd e
sua pequena equipe dentro. Dowd, responsável por inúmeros discos do ABB e de
nomes como John Coltrane, Ray Charles, Cream, Lynyrd Skynyrd comentou: “O álbum
capturou o momento de glória da banda. A música dos Allman’s sempre teve um swing único dentro do rock. Eles tem uma
levada de jazz mesmo quando tocam algo tangenciando o blues ou mesmo um rock
pesado. Nunca foram estáticos, sempre tocaram para frente e com muito groove.”.
Tudo
ocorria muito bem até que banda convidou o saxofonista “Juice” Carter e o
gaitista Thom Doucette para participarem de muitas músicas na primeira noite.
“Um deles me perguntou se eu poderia microfonar um sax e eu achei que ele
estava brincando.”, lembra Dowd. “Eles começaram a tocar e o sax foi encobrindo
todos os instrumentos, tornando as músicas inaudíveis. Durante o intervalo eu
corri até Duane e disse ‘O saxofonista tem que sair fora’, então ele respondeu
‘Mas o cara está detonando!’, foi quando lamentei francamente ‘Duane, acredite
em mim, essa não é a hora para testarmos isso’. Depois ele me perguntou se poderia manter o gaitista e eu disse que tudo bem, sabendo que seria possível tirá-lo ou
diminuir seu volume se fosse necessário.”.
Sem
o sax e com a gaita sendo cortada de várias músicas (ninguém se lembra
exatamente de quais), Doucette trouxe um toque especial para You Don`t Love Me e Done Somebody Wrong. Após cada show, banda e Dowd corriam para o
estúdio da Atlantic Records para ouvir o que havia sido registrado, assim eles
saberiam o que melhorar ou tirar na noite seguinte.
A
seção rítmica contando com dois bateristas, Jai Johanny Johanson e Butch
Trucks, adicionadas ao groove solto e violento do baixista Berry Oakley, mais o
órgão/piano de Gregg Allman só ficaria perfeita quando entrelaçada pela dupla
mágica composta pelas guitarras de Duane Allman e Dickey Betts. Gregg disse que
em 1970 eles haviam feito 306 shows, sendo que os dias em que não tocavam eram
gastos viajando de uma cidade para outra, indicando o auge da sintonia entre
todos que podemos ouvir nos sulcos de At
Fillmore East.
Com tudo
que foi registrado nos dias 12 e 13, os Brothers tinham material suficiente
para lançar um disco duplo ao vivo e preencher mais da metade do próximo álbum,
Eat a Peach, incluindo a épica Mountain Jam e 33 minutos que, pasmem,
foi tocada logo após a versão de 23 minutos de Whipping Post. Na verdade, não fosse o trágico acidente que
vitimaria Duane Allman apenas alguns meses depois, Eat a Peach seria um disco
simples e sem as faixas retiradas das sobras do Fillmore, conforme Trucks
revelou anos mais tarde.
Alguns
meses depois dos shows em Nova Iorque, a banda estava nos estúdios da Capricorn
Records em Macon, Georgia, quando ficou sabendo que o álbum estava pronto e
deveriam escolher a capa imediatamente. “Nós decidimos fazer porque a Atlantic
escolhia capas horríveis na época. Nós queríamos que ela fosse direta e sem
frescuras, do jeito que a banda era. Então alguém disse ‘Vamos logo tirar uma
foto como se estivéssemos nos bastidores esperando para entrar num palco.’”
Dessa ideia simples surgiu umas das fotos mais representativas da história do
Rock.
O
fotógrafo Jim Marshall foi chamado e clicou o grupo em apoiado nos cases de seus equipamentos fora do
estúdio em Macon. Para a contracapa, foi tirada uma foto com os roadies no lugar da banda tomando umas
cervejas da marca Plabst Blue Ribbon oferecidas por Jim em recompensa pelo
esforço por terem carregado todo o equipamento para lado de fora só para a
fotografia. “Foi ideia do meu irmão. A equipe sempre teve um papel muito
especial para nós.”, explica Gregg.
Contracapa com a equipe da banda tomando umas cervejas |
É de
se espantar que um LP duplo contenha apenas sete faixas (como Made in Japan do Deep Purple), sendo que
duas delas, You Don’t Love Me e Whipping Post ocupam um lado inteiro de
um disco e In Memory of Elizabeth Reed
passa dos 13 minutos. Não foi fácil convencer os executivos da Atlantic sobre
viabilidade comercial de um álbum com essa configuração. Depois de muita
conversa, Phil Walden, proprietário da Capricorn, convenceu os executivos da major: “A Atlantic/Atco rejeitou a ideia
de lançar um duplo ao vivo. Jerry Wexler (N.T Executivo da Atlantic) achava
ridículo preservar todas aquelas jams.
Explicamos para ele que o Allman Brothers era uma banda do povo e que a única
coisa que importava era tocar, não ficar trancado num estúdio gravando como
eles queriam.”. Graças à insistência de Walden, hoje podemos ouvir o disco que
cravou o conceito de Jam Band.
Vendido
por um preço de até três dólares abaixo do mercado para um LP duplo, o merecido
sucesso chegou. Lançado em Julho daquele ano, em Outubro o At Fillmore East já era disco de ouro, com direito a uma resenha da
revista Rolling Stone que dizia, com todas as letras, que os Allman's eram a “the best damm rock and roll band” no país.
A
riqueza e a fama pegou todos de surpresa, assim como o trágico acidente que
levou “Skydog”, rei do slide guitar, daqui para melhor. Duane foi morto num acidente de motocicleta
em 29 de Outubro, em Macon, durante uma pausa no meio das gravações de Eat a Peach. Emocionado, Gregg relembrou
durante uma entrevista: “Na época eu pensei ‘Meu irmão não foi recompensado
porque não teve tempo de colher os frutos que plantou’. Senti isso durante anos,
mas aos poucos percebi que ele deixou um grande legado por ter morrido aos 24
anos. Muito disso vem do Fillmore. Eu
ainda ouço o disco e fico maravilhado com o frescor dos seus licks e com o belíssimo timbre que
possuía. Ele era único, assim como Oakley. (N.T: O baixista Berry Oakley morreu
num acidente de moto apenas um ano após a partida de Duane) A oportunidade de
nós seis termos nos encontrado e formado uma banda é inacreditável.”.
Só
nos resta o prazer de colocarmos o Fillmore
na agulha e flutuarmos, assim eles faziam no palco.
Foto da mesma sessão feita para a capa, com a banda num disposição diferente |